segunda-feira, 20 de março de 2023

CONTO 35: "Chapeuzinho Amarelo"

 


CHAPEUZINHO AMARELO

(Autor: Chico Buarque)

 

“Era a Chapeuzinho Amarelo.

Amarelada de medo.

Tinha medo de tudo, aquela Chapeuzinho.

Já não ria.

Em festa, não aparecia.

Não subia escada, nem descia.

Não estava resfriada, mas tossia.

Ouvia conto de fada, e estremecia.

Não brincava mais de nada, nem de amarelinha.

Tinha medo de trovão.

Minhoca, pra ela, era cobra.

E nunca apanhava sol, porque tinha medo da sombra.

Não ia pra fora pra não se sujar.

Não tomava sopa pra não ensopar.

Não tomava banho pra não descolar.

Não falava nada pra não engasgar.

Não ficava em pé com medo de cair.

Então vivia parada, deitada, mas sem dormir, com medo de pesadelo.

Era a Chapeuzinho Amarelo…

E de todos os medos que tinha

O medo mais que medonho era o medo do tal do LOBO.

Um LOBO que nunca se via,

que morava lá pra longe,

do outro lado da montanha,

num buraco da Alemanha,

cheio de teia de aranha,

numa terra tão estranha,

que vai ver que o tal do LOBO

nem existia.

Mesmo assim a Chapeuzinho tinha cada vez mais medo do medo do medo do medo de um dia encontrar um LOBO.

Um LOBO que não existia.

E Chapeuzinho amarelo,

de tanto pensar no LOBO,

de tanto sonhar com LOBO,

de tanto esperar o LOBO,

um dia topou com ele

que era assim:

carão de LOBO,

olhão de LOBO,

jeitão de LOBO,

e principalmente um bocão

tão grande que era capaz de comer duas avós,

um caçador, rei, princesa, sete panelas de arroz…

E um chapéu de sobremesa.

Mas o engraçado é que,

assim que encontrou o LOBO,

a Chapeuzinho Amarelo

foi perdendo aquele medo:

o medo do medo do medo do medo que tinha do LOBO.

Foi ficando só com um pouco de medo daquele lobo.

Depois acabou o medo e ela ficou só com o lobo.

O lobo ficou chateado de ver aquela menina olhando pra cara dele,

só que sem o medo dele.

Ficou mesmo envergonhado, triste, murcho e branco-azedo,

porque um lobo, tirado o medo, é um arremedo de lobo.

É feito um lobo sem pÊlo.

Um lobo pelado.

O lobo ficou chateado.

Ele gritou: sou um LOBO!

Mas a Chapeuzinho, nada.

E ele gritou: EU SOU UM LOBO!!!

E a Chapeuzinho deu risada.

E ele berrou: EU SOU UM LOBO!!!!!!!!!!

Chapeuzinho, já meio enjoada, com vontade de brincar de outra coisa.

Ele então gritou bem forte aquele seu nome de LOBO umas vinte e cinco vezes,

Que era pro medo ir voltando e a menininha saber com quem não estava falando:

LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO

Aí, Chapeuzinho encheu e disse:

“Pára assim! Agora! Já! Do jeito que você tá!”

E o lobo parado assim, do jeito que o lobo estava, já não era mais um LO-BO.

Era um BO-LO.

Um bolo de lobo fofo, tremendo que nem pudim, com medo de Chapeuzim.

Com medo de ser comido, com vela e tudo, inteirim.

Chapeuzinho não comeu aquele bolo de lobo, porque sempre preferiu de chocolate.

Aliás, ela agora come de tudo, menos sola de sapato.

Não tem mais medo de chuva, nem foge de carrapato.

Cai, levanta, se machuca, vai à praia, entra no mato,

Trepa em árvore, rouba fruta, depois joga amarelinha,

Com o primo da vizinha, com a filha do jornaleiro,

Com a sobrinha da madrinha

E o neto do sapateiro.

Mesmo quando está sozinha, inventa uma brincadeira.

E transforma em companheiro cada medo que ela tinha:

O raio virou orrái;

barata é tabará;

a bruxa virou xabru;

e o dia bo é bodiá.

( Ah, outros companheiros da Chapeuzinho Amarelo: o Gãodra, a Jacoru, o Barão-tu, o Pão Bichô pa…

E todos os tronsmons.)

                    https://pedagogiaaopedaletra.com/chapeuzinho-amarelo-interpretacao-de-texto/

CONTO 34: "O causo do caçador"

 



O CAUSO DO CAÇADOR 

Autor: Chico Pedrosa

 

O poeta é um escravo

Das coisas que a mente dita

Ela trás ele interpreta

Desdobra, escreve e edita

Depois vai e mostra o povo

Aquele trabalho novo

Tecido em fios de amor

Como Marcolino fez

Quando contou uma vez

O causo do caçador

 

Que na sexta-feira santa

Depois de uma lua cheia

Inventou uma caçada

Na chapada da aldeia

Calçou um par de butina

Preparou a lazarina

E um borná de munição

Motou água na cabaça

Pendurou no “cóiz” da calça

E foi chamar tubarão

 

Tubarão se arrupiou

Olhou pro céu e ganiu

Chamando atenção do dono

Que viu mas pez que não viu

Sem dar importância a data

Caminhou até a mata

Onde caçar começou

As seis até uma hora

Fora apito de caipora

Nenhum sibito piou

 

As duas horas da tarde

Na sombra de um arvoredo

Sentou-se pra descansa

Junto as pedras de um rochedo

Não resistindo ao cansaço

Fez travesseiro dum braço

Até dormir e sonhar

Que um onça valente

 

Armava na sua frente

Um bote pra lhe pegar

Quando ele abriu os olhos

Viu uma onça chegando

Quase rente com o chão

Devagar se preparando

 

Doida para lhe pegar

Raimundo pegou suar

Apontou-lhe a lazarina

Quando foi puxando o dedo

Lá de cima do lajedo

Ouviu a voz da felina:

 

Seu caçador não atire

Peço por Nossa Sinhora

Não me mate que tô choca

Tenha calma, vá simbora

Quando Raimundo ouviu isso

Valeu-se de Padim Ciço

E fez fiapo no mundo

E o cachorro do lado

Mais de uma hora colado

No calcanhar de Raimundo


Doido desorientado

Perdido sem direção

Desabou sob uma moita

Seguido de tubarão

Lá pras tantas despertaram

Frente a frente se olharam

Raimundo se espreguiçou

Se sentou, riscou o chão

Olhou para Tubarão

Deu um suspiro e falou:

 

 

Meu cachorro velho amigo

Companheiro de jornada

Na vida de caçador

Nunca me assombrei com nada

Já me perdi nas montanhas

Já ouvi vozes estranhas

De quem também se perdeu

Mas hoje foi de lascar

Nunca vi bicho falar

Tubarão disse: NEM EU!

 

Raimundo deu um desmaio

Quando ouviu esta resposta

Tubarão deu um ganido

Botou o rabo nas costas

Sumiu no giro da venta

E até hoje se comenta

Que Raimundo se espanta

Quando relembra o passado

Provando que é pecado

Caçar na Semana Santa!

 

Disponível em: http://poesianordestina.blogspot.com/2021/02/o-causo-do-cacador.html

CONTO 33: " As proezas de Seu Lunga"

 


As proezas de Seu Lunga

Autor: Thiago Barbosa 


Seu Lunga é cabra de bem

Porém é muito nervoso

Em perguntas idiotas

O homem perde o gozo

Das faculdades mentais

Vira o próprio satanás

Solta um palavrão trevoso.

 

Certa feita ele levou

Seu cachorro prum passeio

Seu Zézinho exclamou:

"Um cachorro, eu não creio!"

Seu Lunga teve um entalo

Disse: "não, é um cavalo,

Não está vendo o arreio?"

 

Lunga foi ao restaurante

Puxou o banco e sentou

Veio um gentil garçon

Com fineza o perguntou:

--Senhor, vai querer comer?

--Não, vim aqui me benzer

No peito, um credo, cruzou.

 

Lunga foi a padaria

Comprou dois litros de leite

Um velho lhe perguntou:

--A bebida é pro deleite?

Ele disse: "não senhor,

Essa joça eu quero por

Na estante como enfeite".

 

O velho, ressabiado

Pôs-se logo a se explicar:

--Calma meu nobre senhor

Perguntei por perguntar

Queria puxar conversa

A coisa ficou dispersa

Não precisa se estressar.

 

Deu a besta fera em Lunga

Mais nervoso ele ficou

--Quer saber pra que é o leite?

Ele ao velho perguntou

--É pra lavar meu cabelo

Costas, ombros, pelo a pelo

Ali mesmo se banhou.

 

Lunga estava em um boteco

Tomando uma água-ardente

Sua esposa ali chegou

E em meio a toda gente

Disse: -- Lunga, seu safado,

Por que tá embriagado?

Eita cabra inconseqüente!

 

Lunga chegou até ela

Trôpego a cambalear

Com o bafo de cachaça

Começou a esbravejar:

-- Tomei dois litros de Fanta

Não está vendo, sua anta

O que vim fazer no bar?

 

Um belo carro de luxo

A famosa limosine

Chegou à concessionária

Tava exposta na vitrine

Lunga disse: --eu quero aquela

Dou até minha costela

Por aquela lamborguine.

 

O vendedor, à socapa,

Riu do momento bizarro

--Meu senhor, está enganado

Trocou o nome do carro

Lunga, bufando de raiva

Encorporou o Saraiva

Não adimitiu o sarro.

 

--Olhe aqui fi da broboinca

O automóvel é meu

Vou pagar com minha verba

Se entupa, seu fariseu

Dou o nome que eu quero

Joaquim, Chico ou Homero

Também ponho o de Romeu.

 

Uma semana depois

Lunga, no estacionamento

Foi saindo com o carro

Até passar por tormento

O alarme disparou

A polícia o abordou

Não teve nem argumento.

 

Era um carro igual ao dele

Não mudava nem a cor

O modelo, a capota

Pneu e radiador

Calota, marcha e breque

Iguais ao seu calhanbeque

Principalmente o motor.

 

Lunga tomou providência

Ali, no calor da hora

Pra não mais se confundir

Tirou da bota a espora

Riscou toda a pintura

Disse: --olhe que belezura

Quero ver trocar agora.

 

Em uma liquidação

De artigos para o lar

Vendia elétro-doméstico

Cama e mesa de jantar

Lunga estava à reboque

Conferindo todo o estoque

Para ver o que levar.

 

Foi então que o locutor

Percebendo o movimento

Anunciou aparelhos

De umas marcas de sustento

No uso do microfone

Disse: --esse DVD Sony

É último lançamento.

 

Lunga gritou:-- abestado,

Deixe de ser mentiroso

A Sony não vai fechar

Não seja fantasioso

Diga assim, seu demente

Esse aqui é o mais recente

Senão fica duvidoso.

 

Disponível em:

http://cordeldamulestia.blogspot.com/2008/01/as-proezas-de-seu-lunga.html

CONTO 32: "Seu Lunga: tolerância zero"

 


Seu Lunga: tolerância zero

(Autor: Ismael Gaião)

 

Eu vou falar de Seu Lunga

Um cabra muito sincero,

Que não tolera burrice

Nem gosta de lero-lero.

Tem sempre boas maneiras,

Mas se perguntam besteiras,

Sua tolerância é zero!

 

Ao entrar num restaurante

Logo depois de sentar,

Um garçom lhe perguntou:

O Senhor vai almoçar?

Lunga disse: não Senhor!

Chame o padre, por favor,

Vim aqui me confessar.

 

Lunga tava na parada

Com Renata perto dele.

Esse ônibus vai pra praia?

Ela perguntou a ele.

Ele, então, disse à mulher:

- Só se a Senhora tiver

Um biquini que dê nele!

 

Seu Lunga tava pescando

E alguém lhe perguntou:

- Você gosta de pescar?

Ele logo retrucou:

- Como você pode ver,

Eu vim pescar sem querer,

A polícia me obrigou.

 

Pagando contas no Banco

Lunga viveu um dilema

Pois com um talão nas mãos,

Ouviu de Pedro Jurema:

O Senhor vai usar cheque?

- Ele disse: não, moleque,

Vou escrever um poema.

 

Em sua sucataria

Alguém tava escolhendo,

- Por quanto o Senhor me dá,

Essa lata com remendo?

Lunga, sem pestanejar,

Disse: não posso lhe dar,

Porque eu estou vendendo.

 

E ainda irritado

A seu freguês respondeu:

Tudo que eu tenho aqui,

Eu vendo porque é meu.

Se o Senhor quiser ver,

Coisas sem ser pra vender

Vá visitar um museu.

 

Lunga foi comprar sapato

Na loja de Barnabé

E um rapaz bem gentil

Perguntou: é pra seu pé?

Ele disse: não esqueça,

Bote na minha cabeça,

Vou usar como boné.

 

Lunga carregava leite

Numa garrafa tampada

E um velho lhe perguntou:

Bebe leite, camarada?

Ele disse: bebo não!

Depois derramou no chão.

- Eu vou lavar a calçada.

 

Seu Lunga tava deitado

Na cama, sem se mexer.

E um amigo idiota

Perguntou, a lhe bater:

- O senhor está dormindo?

Lunga disse: tô fingindo,

E treinando pra morrer!

 

Seu Lunga foi a um banco

Com um cheque pra trocar

Um caixa muito imbecil

Achou de lhe perguntar:

O Senhor quer em dinheiro?

- Não quero não, companheiro,

Quero em bolas de bilhar.

 

Lunga olhou pro relógio

Na frente de Gabriela

Quando menos esperava,

Ouviu a pergunta dela:

- Lunga viu que horas são?

Ele disse: não, vi não,

Olhei pra ver a novela!

 

Seu Lunga comprava esporas

Para correr argolinha

E o vendedor idiota

Fez essa perguntazinha:

- É pra usar no cavalo?

- É não, eu uso no galo,

Monto e dou uma voltinha.

 

Seu Lunga tava pescando

Quando chegou Viriato

- Perguntando: aqui dá peixe?

Lunga falou: é boato!

No rio só dá tatu,

Paca, cutia e teju,

Peixe dá dentro do mato.

 

Lunga foi se consultar

Com um Doutor que era Crente

Esse logo perguntou:

- O Senhor está doente?

- Lunga disse: não Senhor,

Vim convidar o Doutor,

Para tomar aguardente.

 

Seu Lunga, com seu cachorro,

Saiu para caminhar

Um besta lhe perguntou:

É seu cão, vai passear?

Lunga sofreu um abalo,

Disse: não, é um cavalo,

Vou levar para montar.

 

Lunga trazia da feira,

Já em ponto de tratar,

Uma cabeça de porco,

Quando ouviu alguém falar:

- Vai levando pra comer?

Ele só fez responder:

- Vou levando pra criar!

 

Lunga foi à eletrônica

Com um som pra consertar

E ouviu um idiota

Sem demora, perguntar:

- O seu som está quebrado?

- Tá não, está estressado.

Eu trouxe pra passear.

 

Seu Lunga foi numa loja

Lá perto de Itaqui

- Tem veneno pra rato?

- Temos o melhor daqui.

Vai levá-lo? Está barato.

- Vou não, vou buscar o rato

Para vim comer aqui!

 

Seu Lunga tava bebendo,

Quando ouviu de Tião:

- Já que faltou energia,

Nós vamos fechar irmão!

Lunga falou: que desgraça!

Eu vim pra tomar cachaça,

Não foi tomar choque não!

 

Lunga tava em sua loja

Numa preguiça profunda

Quando escutou a pergunta

Vindo de Dona Raimunda:

- O Senhor tem meia-calça?

- Isso em você não realça,

Ou você, tem meia bunda?

 

Seu Lunga ia pescar

E um amigo encontrou

Depois de cumprimentá-lo

Seu amigo perguntou:

Lunga vai à pescaria?

Seu Lunga só disse: ia.

Pegou a vara e quebrou.

 

Jacó estava querendo

Apostar numa milhar

Vendo Lunga numa banca

Disse: agora vou jogar!

E foi gritando dali:

- Lunga, passa bicho aqui?

- Passa sim! Pode passar.

 

Seu Lunga sentia dor

Procurou Doutor Ramon

Que começou a consulta

Já perguntando em bom tom:

Seu Lunga, qual o seu plano?

Lunga disse: sem engano,

O meu plano é ficar bom!

 

Lunga tava em seu comércio

Despachando a Zé Lulu

Que depois de escolher

Fava e feijão guandu.

- Disse: vou levar fubá.

E o arroz como está?

Lunga respondeu: Tá cru!

 

Lunga com uma galinha

E a faca pra cortar,

Seu vizinho perguntou:

Oh! Seu Lunga, vai matar?

Com essa pergunta burra,

Disse: não, vou dar uma surra,

Logo depois vou soltar.

 

Lunga indo a um enterro

Encontrou Zeca Passivo

- Seu Lunga pra onde vai?

Ao enterro de Biu Ivo.

- E Seu Biu Ivo morreu?

- Não, isso é engano seu,

Vão enterrar ele vivo!

 

Lunga mostrou um relógio

Ao filho de Biu Romão

- Posso botar dentro d’água?

Perguntou o garotão.

Lunga disse sem demora:

- Relógio é pra ver a hora,

Não é sabonete, não!

 

Lunga fez uma viagem

Pra cidade de Belém

E quando voltou pra casa

Ouviu essa de alguém:

- Oh! Seu Lunga, já chegou?

- Eu não, você se enganou,

Chego semana que vem!

 

Lunga levou uma queda

De cima de seu balcão

- Quer tomar um pouco d’água?

Perguntou o seu irmão.

Lunga logo, respondeu:

Foi só uma queda, meu!

Eu não comi doce não!

 

Na porta do elevador

Esperando ele chegar

Seu Lunga escutou um besta

Pro seu lado perguntar:

- Vai subir nesse momento?

- Não, que meu apartamento,

Vai descer pra me pegar.

 

Se encontrar com Seu Lunga

Converse, mas com cuidado,

Pois ele pode ser grosso

Mesmo sendo educado.

Eu já fiz o meu papel

Escrevendo este cordel

Pra você ficar ligado!


Disponível em: http://culturanordestina.blogspot.com/2009/08/seu-lunga-tolerancia-zero.html

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