HISTÓRIA DE JOÃO
Coletada por Sílvio Romero em Pernambuco
HOUVE UM HOMEM QUE TEVE UM
FILHO chamado João: morrendo o
pai o filho herdou um gato, um cachorro, três braças de terra e três pés de
bananeiras. João deu o cachorro ao vizinho, vendeu as bananeiras e as terras, e
comprou uma viola. Foi tocar no pastorador das ovelhas do rei; quando o pastor
chegava, ele se escondia, e nunca o pastor podia ver quem tocava a viola. As
ovelhas, já muito acostumadas com o som da viola, não queriam mais se recolher
ao curral, e quando o vaquejador as perseguia elas se metiam pelo mato, e cada
dia desaparecia uma cabeça. João as ia ajuntando e exercitando ao som da viola
todas as manhãs e tardes, e acostumando-as com o gato seu companheiro. O rei
vendo as suas ovelhas sumidas, e pensando ser desmazelo do pastor, o
despediu. Vindo João à feira fazer
compras para levar para o mato, viu um criado do rei procurando um homem ou
menino que quisesse ser pastejador de suas ovelhas. Logo que o criado viu a João
se agradou dele, e disse: “Amarelo,43 queres tu servir ao rei como seu pastor?”
Respondeu João: “Que qualidade de rei é este que não caça e pasta no mato e
precisa de ser pastorado? Esse rei é de pena, pelo ou cabelo?” O criado
insultou-se, e disse-lhe: “Como te chamas?” João respondeu: “O Menino Ditoso.”
O criado tomou-lhe o nome e largou-se para o palácio, e contou ao rei o que se
tinha passado. Logo o rei man- dou buscar o Ditoso debaixo de prisão. Chegou
João com a sua viola e o gato metido num saco, e disse:
“Deus vos
salve, rei senhor, nesta sua monarquia!
Salve a mim
primeiramente e depois a companhia.”
Disse o rei: “Saibas que estás com sentença de morte,
se não deres conta de todas as ovelhas que fugiram do rebanho.” Respondeu o Di-
toso: “Eu sei lá quantas ovelhas faltaram no rebanho!”. Disse o rei: “Fugiram
mil e quero todas aqui.” Retirou-se o João bem fresco; foi para o mato e
deitou-se a dormir, e o gato foi caçar rolas para o jantar. Chegando a tarde,
acordou o Ditoso e viu que nada ainda tinha feito, e pôs-se a tocar viola. Logo se reuniram todas as ovelhas, que eram
duas mil e trezentas. Ele foi tocando a viola e seguindo para o palácio do rei,
e as ovelhas foram acompanhando. O rei ficou espantado de ver tantas ovelhas, e
disse-lhe: “Como pudeste ajuntar tantas ovelhas?” Respondeu: “Achei-as à toa.”
— “Serão minhas todas?”, perguntou o rei. “Quem sabe
não sou eu; veja se as conhece, eu trouxe as que encontrei.”
— “Tu agora tomarás conta do rebanho, que agora és meu
pastor.”
No outro dia antes do sol sair, o Ditoso pediu que batessem
na porta do rei e dissessem que era tempo de seguirem para o mato. O rei acorda
e chega à janela e diz: “Vai, Ditoso, pastorar.” O Ditoso respondeu: “Não posso
sair sem rei, senhor, seguir no meio do rebanho, visto ser eu seu pastor, como
disse.”
— “És o pastor das ovelhas do rei”, disse este. “Agora
sim, respondeu João, já me convenço de que o rei, meu senhor, não é de lã, nem
de pena ou pelo; é rei de cabelo”.
Nisto seguiu com o gato e as ovelhas para o mato.
Disponível em: CONTOS POPULARES DO BRASIL Sílvio Romero
coleção acervo brasileiro cadernos do mundo inteiro Coleção acervo brasileiro
Volume 3, 2017, Jundiaí, SP.
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