segunda-feira, 20 de março de 2023

CONTO 29: "O diamante"

                                                                    

                                            O diamante

Autor: Luis Fernando Veríssimo

Um dia, Maria chegou em casa da escola muito triste.

— O que foi? — perguntou a mãe de Maria.

Mas Maria nem quis conversa. Foi direto para o seu quarto, pegou o seu Snoopy1 e se atirou na cama, onde ficou deitada, emburrada.

A mãe de Maria foi ver se Maria estava com febre. Não estava. Perguntou se Maria estava sentindo alguma coisa. Não estava. Perguntou se estava com fome. Não estava. Perguntou o que era, então.

— Nada — disse Maria.

A mãe resolveu não insistir. Deixou Maria deitada na cama, abraçada com o seu Snoopy, emburrada. Quando o pai de Maria chegou em casa do trabalho, a mãe de Maria avisou:

— Melhor nem falar com ela...

Maria estava com cara de poucos amigos. Pior. Estava com cara de amigo nenhum. Na mesa de jantar, Maria de repente falou:

— Eu não valo nada. O pai de Maria disse:

— Em primeiro lugar, não se diz “eu não valo nada”. É “eu não valho nada”. Em segundo lugar, não é verdade. Você valhe muito. Quer dizer, vale muito.

— Não valho.

— Mas o que é isso? — disse a mãe de Maria. —Você é a nossa filha querida. Todos gostam de você. A mamãe, o papai, a vovó, os tios, as tias. Para nós, você é uma preciosidade. Mas Maria não se convenceu. Disse que era igual a mil outras pessoas. A milhões

de outras pessoas.

— Só na minha aula tem sete Marias!

— Querida... — começou a dizer a mãe. Mas o pai interrompeu.

— Maria — disse o pai —, você sabe por que um diamante vale tanto dinheiro?

— Porque é bonito.

— Porque é raro. Um pedaço de vidro também é bonito. Mas o vidro se encontra em

toda parte. Um diamante é difícil de encontrar. Quanto mais rara é uma coisa, mais ela

vale. Você sabe por que o ouro vale tanto?

— Por quê?

— Porque tem pouquíssimo ouro no mundo. Se o ouro fosse como areia, a gente ia caminhar no ouro, ia rolar no ouro, depois ia chegar em casa e lavar o ouro do corpo para não ficar suja. Agora, imagina se em todo o mundo só existisse uma pepita de ouro.

— Ia ser a coisa mais valiosa do mundo.

— Pois é. E em todo o mundo só existe uma Maria.

— Só na minha aula são sete.

— Mas são outras Marias.

— São iguais a mim. Dois olhos, um nariz...

— Mas esta pintinha aqui nenhuma delas tem.

— É...

— Você já se deu conta de que em todo o mundo só existe uma você?

— Mas, pai...

— Só uma. Você é uma raridade. Podem existir outras parecidas. Mas você, você mesma, só existe uma. Se algum dia aparecer outra você na sua frente, você pode dizer: é falsa.

— Então eu sou a coisa mais valiosa do mundo.

— Olha, você deve estar valendo aí uns três trilhões...

Naquela noite a mãe de Maria passou perto do quarto dela e ouviu Maria falando com o Snoopy

— Sabe um diamante?


Disponível em:

https://www.escrevendoofuturo.org.br/EscrevendoFuturo/arquivos/977/NPL12.pdf

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