Bicho de
Palha
Coletado por Luís da Câmara Cascudo
Bicho de Palha era o apelido dado a Maria pelos criados
com quem ela trabalhava no palácio de um príncipe elegante e muito bonito.
Ninguém sabia quem ela era realmente e de onde viera e por que saíra de sua
casa. Chamavam-na assim porque ela vivia coberta por uma capa de palha
trançada, que lhe deixava à mostra somente os olhos. No palácio real, ela
limpava os aposentos e os banheiros dos criados. A jovem vivia calada, pouco
conversava com as pessoas com quem convivia. Mas amava, a distância, o
príncipe. E, como era trabalhadeira e não se importava com a vida alheia,
deixavam-na ficar assim, anônima.
Mas o que ninguém sabia era que Maria, este era o
verdadeiro nome de Bicho de Palha, era filha de um rico comerciante que se
casara novamente com uma viúva que também tinha uma filha da mesma idade da
enteada. E, para escapar dos maus-tratos da madrasta, a jovem enteada resolveu
fugir de casa.
Antes, porém, seguindo o conselho de uma velhinha de
feições muito bondosa e serena, com quem se encontrava sempre que ia lavar
roupas no rio, ela fez uma capa de palha trançada, cobriu-se com ela, apanhou
umas poucas roupas, fez uma trouxa com essas, pegou a varinha de condão que a
bondosa senhora lhe deu, para ser usada em caso de muita necessidade, e foi-se
para o outro lado da cidade, onde estava o palácio do príncipe. Como lá
precisavam de alguém para limpar os aposentos e banheiros dos criados, foi logo
empregada.
Lá, como já se informou, ganhou o apelido de “Bicho de
Palha”.
Um dia, o príncipe, que já estava em idade de
casar-se, resolveu, de comum acordo com a rainha sua mãe, dar, durante três
noites seguidas, um grande baile. Na última noite, escolheria, entre as jovens
presentes, sua futura esposa. Assim sendo, todas as jovens do reino, sem
distinção de classe social, foram convidadas.
A notícia agitou todos os moradores da redondeza,
principalmente as jovens casadoiras. Não foi diferente com as que trabalhavam
no palácio do príncipe.
Apenas Bicho de Palha mantinha-se quieta e indiferente
no seu canto.
O dia do grande baile chegou, com muita movimentação e
expectativa por parte de todos. As outras criadas, bem antes do pôr do sol, já
se haviam retirado para seus aposentos para se prepararem para a festa. Somente
Bicho de Palha ficou disponível para servir ao príncipe. Ele lhe pediu que lhe
trouxesse uma bacia com água, a fim de banhar-se e vestir-se para o baile.
Mal o jovem
saiu, Bicho de Palha pegou a varinha de condão que a bondosa velhinha lhe dera,
quando saiu da casa do pai, e, comandando-a como a senhora lhe instruíra,
pediu-lhe que lhe desse um vestido cor do campo com todas as suas flores. Bem
vestida e calçada, foi ao baile em uma vistosa carruagem. Sabia que o
encantamento terminaria à meia-noite em ponto. Portanto, não poderia atrasar-se
para retornar aos seus aposentos.
O príncipe, mal a viu, apaixonou-se, pois não havia
moça mais bonita e mais bem vestida que ela. Quando ele lhe perguntou onde
morava, ela lhe respondeu: “Moro na Rua das Bacias”. E assim foram as outras
duas noites restantes: na segunda, ao preparar-se para a festa, o príncipe
pediu a Bicho de Palha que lhe levasse uma toalha, e, na terceira e última
noite, um pente. E ela compareceu aos bailes, cada noite com um vestido
diferente. E a cada uma dessas o príncipe lhe perguntava onde morava. E ela lhe
respondia: “Moro na Rua das Toalhas” (segunda noite do baile) e: “Moro na Rua
dos Pentes” (terceira noite).
Na terceira e última noite, atrasou-se alguns segundos
para sair da festa, e, na pressa, perdeu um dos sapatinhos de cristal. Um dos
criados do príncipe o achou e o levou a Sua Alteza, que imediatamente ordenou
que procurassem a misteriosa dona do sapatinho por todo a reino e região.
Finalmente, Bicho de Palha foi encontrada exatamente
no palácio do príncipe. Sua identidade foi revelada, e ela se casou com o seu
amado. E a varinha de condão, cumprida sua missão, voou para o Céu, para a
bondosa velhinha de feições meigas, que era Nossa Senhora, a madrinha e
protetora de Maria.
Disponível em:
https://www.escrevendoofuturo.org.br/EscrevendoFuturo/arquivos/977/NPL12.pdf
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