Capa de
Junco
Adaptação de um conto do folclore inglês.
Cordélia era uma jovem que trabalhava como ajudante de
cozinha em uma rica mansão. Por estar sempre vestida com uma capa de junco
trançado, que lhe deixava à mostra apenas os olhos, seus amigos a chamavam de
Capa de Junco. O que ninguém sabia é que ela era filha de um senhor muito rico
que morava com suas três herdeiras em um dos países vizinhos. Amava a todas,
mas sua preferida era a terceira, o que provocava o ciúme da mais velha e o da
segunda. Certo dia, Capa de Junco, foi expulsa de casa pelo próprio pai, que a
julgara desnaturada e sem coração, quando ele, querendo dividir seus bens entre
as três filhas e desejando deixar a maior parte àquela que o amasse mais que as
duas outras, fez a cada uma delas esta pergunta : “O quanto você gosta de mim,
minha querida?”. Como Cordélia lhe respondeu que o amava tanto como a carne
fresca ama o sal, o ancião sentiu-se desprezado pela caçula, amaldiçoando-a, e colocou-a
dali para fora.
Triste e lamentando o modo como o pai interpretara
suas palavras, a jovem partiu trajando três dos seus vestidos mais belos, um
sobre o outro, e com suas joias mais valiosas, mas tendo o cuidado de cobrir-se
com uma capa feita de junco trançado, para não chamar a atenção e não ser
reconhecida por ninguém. E assim estranhamente vestida e disfarçada foi até um
dos reinos vizinhos, onde logo arrumou serviço como ajudante de cozinha em uma
mansão de um rico senhor, pai de um rapaz muito bonito e em idade de casar-se.
Ali, ela foi aceita como empregada encarregada de preparar as refeições e
arrumar a cozinha.
Da janela da cozinha da mansão, via o jovem seu
patrão, que não lhe dava a mínima atenção. Ela era somente uma das suas
criadas. Aos poucos, Capa de Junco – sem revelar a ninguém sua verdadeira
identidade – foi-se apaixonando pelo jovem rico.
Um dia, a mãe do rapaz decidiu dar uma festa na
mansão. Seriam três dias de danças e banquetes. Todos os reis e pessoas
influentes daquela localidade e dos países vizinhos foram convidados. O jovem,
que já estava em idade de casar-se, deveria escolher, entre as moças presentes,
sua futura esposa.
Toda a mansão se movimentou para a grande festa. Capa
de Junco trabalhou muito durante os preparativos para os três dias de baile.
Mas havia decidido participar das festas. Assim, quando, na primeira noite de
baile, terminou suas tarefas na cozinha, rapidamente se dirigiu aos seus
aposentos, banhou-se e escolheu um dos vestidos que levara quando deixou a casa
paterna. Com ele, com algumas de suas joias e com um diadema nos cabelos,
ninguém a reconheceria como Capa de Junco.
Logo que chegou ao baile, atraiu a atenção do jovem
patrão, que dançou com ela a noite toda. O rapaz estava encantado com a
misteriosa dama que, antes da última badalada da meia-noite, desapareceu como
que por encanto.
Inutilmente o jovem procurou pela encantadora jovem
com quem dançara na noite anterior. Por melhor que a descrevesse, ninguém sabia
dar-lhe notícias dela. Nas duas noites seguintes, os fatos sucederam-se como os
do primeiro baile: Capa de Junco esperou todos se dirigirem ao salão de festas
e, ficando sozinha, foi para os seus aposentos, onde se arrumou e dirigiu-se,
em seguida, para o salão. Deslumbrante, como sempre!
Na última contradança do terceiro e último baile
programado, o jovem deu-lhe de presente um anel de brilhantes e lhe disse que “morreria
se não a visse novamente”.
No dia seguinte, em vão o rapaz procurou pela
misteriosa jovem, mas nem sinal dela! Ninguém sabia quem era e nem onde morava.
Amargurado, o jovem foi se deixando abater até cair enfermo. Inutilmente, seu
pai e seus amigos faziam de tudo para erguer-lhe o ânimo. Nada conseguia
devolver-lhe a vontade de viver. E o rapaz se tornava, a cada dia, mais
deprimido. Um dia pediu que a cozinheira preparasse um mingau para o filho que
se encontrava bastante debilitado. Capa de Junco, que estava na cozinha, ouviu
o pedido e insistiu com a cozinheira para que a deixasse fazê-lo. Preparou-o e
ao colocá-lo no prato deixou cair o anel de brilhantes que o jovem lhe dera.
Quando o rapaz foi comer o mingau engasgou-se com o anel. Logo reconheceu-o
como o que havia dado à misteriosa jovem por quem se apaixonara. Ordenou,
então, que chamassem a cozinheira, e esta, com medo de ser castigada,
contou-lhe que o mingau fora feito por Capa de Junco, a moça que a ajudava na
cozinha. Radiante, o rapaz mandou que Capa de Junco fosse à sua presença. Ela
atendeu ao chamado, mas, antes, vestiu-se como na terceira noite de baile e colocou
a capa por cima.
Na presença do rapaz e da mãe dele, esclareceu-lhes
quase tudo, menos o nome de seu pai. Foi marcado, então, o dia do casamento.
Todos os nobres e pessoas abastadas das cidades vizinhas foram convidados.
Também o pai de Capa de Junco. Chegou o dia das bodas. Por solicitação de Capa
de Junco, as carnes que seriam servidas durante o banquete não foram temperadas
com sal. A cozinheira estranhou muito esse pedido e esse costume, mas, como,
dali para a frente, Capa de Junco seria sua patroa, calou-se e fez como ela lhe
pedira.
Durante
o banquete, ao serem servidas as carnes, ninguém conseguia comê-las: estavam insípidas,
sem sabor. Muito aborrecido, o rapaz e o pai dele queriam castigar a
cozinheira, mas
Capa
de Junco assumiu a culpa e confessou que a empregada assim agira por ordem
dela. Enquanto falava, lágrimas rolavam dos olhos daquele que era seu pai.
Quando o rapaz perguntou ao rico senhor por que
chorava tanto, ele lhe respondeu que era de saudade e remorso pelo que fizera à
sua filha caçula. Ele a expulsara de casa porque ela lhe respondera que o amava
tanto quanto a carne fresca ama o sal. E ele, julgando-a ingrata e sem amor filial
no coração, cometera o erro de mandá-la embora. Somente agora compreendia o
significado daquela comparação feita pela filha, mas, tarde demais, porque,
talvez, ela já estivesse morta.
Capa de Junco, então, penalizada com o sofrimento do pai, abraçou-o e revelou ser a filha que ele julgava ter perdido. Perdoou-o, e todos foram felizes para sempre.
Disponível em:
https://www.escrevendoofuturo.org.br/EscrevendoFuturo/arquivos/977/NPL12.pdf
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