segunda-feira, 20 de março de 2023

CONTO 31: "Capa de junco"

 


Capa de Junco

Adaptação de um conto do folclore inglês.

Cordélia era uma jovem que trabalhava como ajudante de cozinha em uma rica mansão. Por estar sempre vestida com uma capa de junco trançado, que lhe deixava à mostra apenas os olhos, seus amigos a chamavam de Capa de Junco. O que ninguém sabia é que ela era filha de um senhor muito rico que morava com suas três herdeiras em um dos países vizinhos. Amava a todas, mas sua preferida era a terceira, o que provocava o ciúme da mais velha e o da segunda. Certo dia, Capa de Junco, foi expulsa de casa pelo próprio pai, que a julgara desnaturada e sem coração, quando ele, querendo dividir seus bens entre as três filhas e desejando deixar a maior parte àquela que o amasse mais que as duas outras, fez a cada uma delas esta pergunta : “O quanto você gosta de mim, minha querida?”. Como Cordélia lhe respondeu que o amava tanto como a carne fresca ama o sal, o ancião sentiu-se desprezado pela caçula, amaldiçoando-a, e colocou-a dali para fora.

Triste e lamentando o modo como o pai interpretara suas palavras, a jovem partiu trajando três dos seus vestidos mais belos, um sobre o outro, e com suas joias mais valiosas, mas tendo o cuidado de cobrir-se com uma capa feita de junco trançado, para não chamar a atenção e não ser reconhecida por ninguém. E assim estranhamente vestida e disfarçada foi até um dos reinos vizinhos, onde logo arrumou serviço como ajudante de cozinha em uma mansão de um rico senhor, pai de um rapaz muito bonito e em idade de casar-se. Ali, ela foi aceita como empregada encarregada de preparar as refeições e arrumar a cozinha.

Da janela da cozinha da mansão, via o jovem seu patrão, que não lhe dava a mínima atenção. Ela era somente uma das suas criadas. Aos poucos, Capa de Junco – sem revelar a ninguém sua verdadeira identidade – foi-se apaixonando pelo jovem rico.

Um dia, a mãe do rapaz decidiu dar uma festa na mansão. Seriam três dias de danças e banquetes. Todos os reis e pessoas influentes daquela localidade e dos países vizinhos foram convidados. O jovem, que já estava em idade de casar-se, deveria escolher, entre as moças presentes, sua futura esposa.

Toda a mansão se movimentou para a grande festa. Capa de Junco trabalhou muito durante os preparativos para os três dias de baile. Mas havia decidido participar das festas. Assim, quando, na primeira noite de baile, terminou suas tarefas na cozinha, rapidamente se dirigiu aos seus aposentos, banhou-se e escolheu um dos vestidos que levara quando deixou a casa paterna. Com ele, com algumas de suas joias e com um diadema nos cabelos, ninguém a reconheceria como Capa de Junco.

Logo que chegou ao baile, atraiu a atenção do jovem patrão, que dançou com ela a noite toda. O rapaz estava encantado com a misteriosa dama que, antes da última badalada da meia-noite, desapareceu como que por encanto.

Inutilmente o jovem procurou pela encantadora jovem com quem dançara na noite anterior. Por melhor que a descrevesse, ninguém sabia dar-lhe notícias dela. Nas duas noites seguintes, os fatos sucederam-se como os do primeiro baile: Capa de Junco esperou todos se dirigirem ao salão de festas e, ficando sozinha, foi para os seus aposentos, onde se arrumou e dirigiu-se, em seguida, para o salão. Deslumbrante, como sempre!

Na última contradança do terceiro e último baile programado, o jovem deu-lhe de presente um anel de brilhantes e lhe disse que “morreria se não a visse novamente”.

No dia seguinte, em vão o rapaz procurou pela misteriosa jovem, mas nem sinal dela! Ninguém sabia quem era e nem onde morava. Amargurado, o jovem foi se deixando abater até cair enfermo. Inutilmente, seu pai e seus amigos faziam de tudo para erguer-lhe o ânimo. Nada conseguia devolver-lhe a vontade de viver. E o rapaz se tornava, a cada dia, mais deprimido. Um dia pediu que a cozinheira preparasse um mingau para o filho que se encontrava bastante debilitado. Capa de Junco, que estava na cozinha, ouviu o pedido e insistiu com a cozinheira para que a deixasse fazê-lo. Preparou-o e ao colocá-lo no prato deixou cair o anel de brilhantes que o jovem lhe dera. Quando o rapaz foi comer o mingau engasgou-se com o anel. Logo reconheceu-o como o que havia dado à misteriosa jovem por quem se apaixonara. Ordenou, então, que chamassem a cozinheira, e esta, com medo de ser castigada, contou-lhe que o mingau fora feito por Capa de Junco, a moça que a ajudava na cozinha. Radiante, o rapaz mandou que Capa de Junco fosse à sua presença. Ela atendeu ao chamado, mas, antes, vestiu-se como na terceira noite de baile e colocou a capa por cima.

Na presença do rapaz e da mãe dele, esclareceu-lhes quase tudo, menos o nome de seu pai. Foi marcado, então, o dia do casamento. Todos os nobres e pessoas abastadas das cidades vizinhas foram convidados. Também o pai de Capa de Junco. Chegou o dia das bodas. Por solicitação de Capa de Junco, as carnes que seriam servidas durante o banquete não foram temperadas com sal. A cozinheira estranhou muito esse pedido e esse costume, mas, como, dali para a frente, Capa de Junco seria sua patroa, calou-se e fez como ela lhe pedira.

Durante o banquete, ao serem servidas as carnes, ninguém conseguia comê-las: estavam insípidas, sem sabor. Muito aborrecido, o rapaz e o pai dele queriam castigar a cozinheira, mas

Capa de Junco assumiu a culpa e confessou que a empregada assim agira por ordem dela. Enquanto falava, lágrimas rolavam dos olhos daquele que era seu pai.

Quando o rapaz perguntou ao rico senhor por que chorava tanto, ele lhe respondeu que era de saudade e remorso pelo que fizera à sua filha caçula. Ele a expulsara de casa porque ela lhe respondera que o amava tanto quanto a carne fresca ama o sal. E ele, julgando-a ingrata e sem amor filial no coração, cometera o erro de mandá-la embora. Somente agora compreendia o significado daquela comparação feita pela filha, mas, tarde demais, porque, talvez, ela já estivesse morta.

Capa de Junco, então, penalizada com o sofrimento do pai, abraçou-o e revelou ser a filha que ele julgava ter perdido. Perdoou-o, e todos foram felizes para sempre.

Disponível em:

https://www.escrevendoofuturo.org.br/EscrevendoFuturo/arquivos/977/NPL12.pdf

 

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