A SAPA CASADA
(Coletado por Sílvio Romero em Sergipe)
UMA VEZ HAVIA UM HOMEM que tinha três filhos. O mais velho deles lá num dia foi ao pai e disse: “Meu pai, eu já estou moço feito, vossa mercê já está velho, e por isso eu quero ganhar a minha vida.”
— “Pois bem,
meu filho; mas tu o que queres, a minha bênção com pouco dinheiro, ou a minha
maldição com muito?” O moço respondeu: “A sua maldição com muito.”
Assim foi, e o moço partiu. Depois de andar mui- tas
terras e passando sempre contrariedades casou-se. Um ano depois o seu irmão do
meio foi ao pai e lhe disse que também queria ir ganhar a sua vida. O pai lhe
fez a mesma pergunta que ao primeiro, e o moço respondeu como ele e partiu.
Depois também de muito viajar e sofrer, casou-se. Daí a um ano o irmão caçula
também pediu ao pai para ir ganhar a sua vida. O pai perguntou-lhe se queria a
benção com pouco dinheiro, ou a maldição com muito. O moço quis a benção, e
seguiu caminho. Depois de andar algum tempo ouviu uma voz muito bonita, estando
ele a descansar perto de uma lagoa. O moço ficou muito maravilhado e disse que
se casaria com a dona daquela voz, fosse lá ela quem fosse. De repente ele se
viu num palácio muito rico e apareceu-lhe uma sapa para casar com ele. O moço
casou-se, mas ficou muito triste.
Ora, passando algum tempo, ele e os irmãos tinham de
ir visitar a família, pois isso mesmo tinham contratado com os pais. Num certo
dia todos três tinham que se apresentar. Todos tinham que levar presentes
mandados por suas mulheres, e o rapaz mais moço, casado com a sapa, andava
muito aflito sem ter o que levar. A sapa lhe disse que lhe desse linhas que ela
queria aprontar umas rendas para mandar à sogra. O moço deu uma gargalhada e atirou-lhe as
linhas na água. A sapa gritou todo o dia dentro da lagoa, formando muita espuma
e o moço desesperado. Mas, quando foi no dia, apareceu-lhe uma renda tão linda
como ele nunca tinha visto. O moço partiu. Houve muita alegria lá na casa dos
pais, e o presente mais bonito foi o levado pelo caçula, pelo que os irmãos
ficaram com muita inveja. Despediram-se os moços para voltar para suas casas, e
os pais lhes pediram para no dia tal voltarem, levando cada uma sua mulher. Aí
os dois filhos mais velhos ficaram mais contentes, porque já se rosnava por lá
que o caçula tinha-se casado com uma sapa.
O mais moço nada disse, e andava em casa muito triste, pensando na vergonha por que ia passar se apresentando com uma sapa por mulher. Quando foi no dia da viagem a sapa pulou para fora da lagoa com um rancho enorme de sapos e sapinhos, e pôs-se a caminho com o moço, ele a cavalo e ela num carro de boi com seu acompanhamento. O moço ia muito triste. Chegando à casa do pai, todos se puseram a caçoar da sapa, que não dava o cavaco. Na ocasião do jantar, ela, em vez de comer, escondia a comida no seio, e as cunhadas especialmente se puseram a ridicularizá-la como porca. De repente a sapa tirou do seio uma porção de flores em que se tinham transformado os bocados de comida e se desencantou numa princesa muito formosa, que serviu de admiração a todos, menos às cunhadas que morreram de paixão e inveja.
Disponível em: CONTOS POPULARES DO BRASIL Sílvio Romero
coleção acervo brasileiro cadernos do mundo inteiro Coleção acervo brasileiro
Volume 3, 2017, Jundiaí, SP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário